FOLHA DE SP (31.07.2016)03
Metade das mortes nas estradas paulistas nos últimos três anos se concentra em apenas 5% do total da malha rodoviária estadual. Esse é o resultado de levantamento feito pela Folha a partir de dados obtidos via Lei de Acesso à Informação.
São Paulo tem 22,1 mil km de estradas estaduais. Mas os trechos rodoviários mais fatais são previsíveis: limitam-se a 1.082 km, onde morreram 3.111 das 6.222 vítimas registradas em 5.410 acidentes em 2013, 2014 e 2015. Os números se referem a acidentes que deixaram mortos no local em que aconteceram e incluem também os casos ocorridos em vias concedidas à iniciativa privada.
A situação em São Paulo é um alerta para toda a malha rodoviária do país, já que pesquisa da Confederação Nacional do Transporte mostra que 19 das 20 melhores estradas nacionais estão no Estado. Os dados mostram também que só 1% do total da malha do Estado (220 km) respondeu por 1.057 mortes, cerca de 17% das vítimas registradas no período.
Embora o fluxo de veículos possa ter impacto na concentração de acidentes nos trechos de maior intensidade, especialistas questionam a repetição de mortes nesses locais em período tão amplo.
Rodolfo Rizzotto, coordenador do programa SOS Estradas, pondera: “O foco nos gargalos é muito bom. É como ocorre com caminhões e ônibus, que representam 4% da frota nas rodovias federais, mas têm envolvimento em 38% de acidentes e 53% das mortes nessas estradas”.
O quilômetro com mais acidentes fatais do Estado está na SP-55 (rodovia Padre Manoel da Nóbrega), próximo à Praia Grande. Foram 12 acidentes, que deixaram 12 mortos, no km 289 dessa estrada, administrada pela Ecovias.
ÁREAS URBANAS
Ao analisar os dez quilômetros com mais acidentes e mortes, nota-se grande concentração de trechos em áreas urbanas ou próximos de casas à beira da estrada.
“Essa é uma característica não só do Brasil, mas dos países subdesenvolvidos. Por causa do crescimento desordenado das cidades, que engoliram as estradas. Na prática, elas são avenidas”, diz Eduardo Biavati, especialista em segurança rodoviária.
Na opinião de Rizzotto, o principal fator para os acidentes fatais é humano. “As pessoas não respeitam o limite e normalmente acessam a rodovia com velocidade acima do permitido e do adequado ao volume de tráfego.”
A questão dos limites de velocidade também é apontada por Renato Campestrini, gerente técnico do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV). “Rodovias têm velocidades bem superiores às que são permitidas nas cidades. Em trechos com muitos pedestres, isso se torna crucial, pois já se sabe que atropelamentos ocorridos acima de 60 km/h têm 98% de chance de morte”, diz Campestrini.
O gerente técnico do ONSV também reforça a necessidade de campanhas de conscientização dos usuários das rodovias sobre a importância das passarelas na preservação de vidas. “Atravessar a via, pular canteiros, é pouco tempo de lucro para muito risco de não contar a história depois”, pondera.
Campestrini recomenda que o Estado faça uma análise dos 5% mais fatais da malha de rodovias para tomar medidas de prevenção adequadas, e pede campanhas de conscientização sobre riscos para condutores. “Há um estudo da Espanha que mostra que 56% dos acidentes são causados por pequenas distrações, como falar ao celular ou trocar de rádio. Estradas exigem postura segura.”
PRAIA GRANDE
No quilômetro com maior número de acidentes com mortes nas estradas paulistas, pedestres e ciclistas convivem nas duas margens da pista com fluxo intenso de carros e motocicletas.
Essa coexistência, porém, não é nada segura. De 2013 a 2015, como mostra levantamento feito pela Folha, o km 289 da rodovia Padre Manoel da Nóbrega, em Praia Grande, registrou 12 acidentes de trânsito, que fizeram 12 vítimas.
“Já vi muito acidente aqui nesse trecho. Acidente e assalto, de monte”, conta o vendedor de caranguejo Francisco Daniel, 38, que há cinco anos trabalha entre o km 289 e o km 290, sentido capital.
Do lado da via em que Daniel trabalha, o trecho é muito próximo da saída da cidade; do outro lado, está a 2 km de uma ponte que dá acesso ao município e oferece um retorno para São Vicente.
Não se pode culpar as condições da estrada pela alta repetição de acidentes com mortes no local: o asfalto está em boas condições e o limite de 80 km/h é bem sinalizado.
O problema, como Daniel reconhece, é outro: o comportamento de quem passa por ali a pé ou de bicicleta. Embora exista uma passarela em boa condição para atravessar as quatro faixas da rodovia, ali mesmo no km 289, muitos tentam a sorte pulando o muro de concreto da estrada, manobra ainda mais arriscada à noite.
“É teimosia, é verdade, mas eu mesmo não uso a passarela. Prefiro jogar minha bicicleta de lado e pular a mureta do que caminhar até o local mais indicado”, admite o vendedor, que se lembra de uma colega de profissão morta por atropelamento.
A Ecovias, concessionária que administra a rodovia, diz que “estuda e trata” esse ponto de acidentes, promovendo a instalação de telas no canteiro central e ações educativas, entre outros esforços.
Segundo a empresa, que tem um ponto de pedágio a 9 km do trecho com mais acidentes fatais (ao preço de R$ 6,80, no km 280), uma medida essencial para reduzir ocorrências no local foi a reintegração de posse de uma área invadida, “que trazia inúmeros problemas”.
Por fim, a Ecovias afirma que o número de mortes caiu pela metade na comparação do primeiro semestre de 2015 com igual período deste ano, de quatro para duas.
OUTRO LADO
Em nota, o DER (Departamento de Estradas de Rodagem) e a Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo) questionaram as conclusões do levantamento de mortes feito pela Folha.
“A reportagem desconsidera o fato elementar de que não é possível levar em conta somente o número de mortes se os trechos comparados apresentam fluxos distintos. Qualquer análise estatística de segurança viária não pode deixar de considerar o volume de veículos que circula nos trechos”, afirmam, em conjunto, os órgãos.
Para a Artesp e o DER, o levantamento “ignora que 65% do tráfego das rodovias paulistas está concentrado em 17% da malha estadual pavimentada, segundo boletim estatístico da Secretaria de Logística e Transportes”.
As autoridades responsáveis pela malha rodoviária do Estado ressaltam ainda que as três rodovias com os três quilômetros de maior número de acidentes com vítimas fatais no período de 2013 a 2015 –Padre Manoel da Nóbrega, Imigrantes e Anhanguera– “estão entre as melhores do país”.
“Todas foram avaliadas como boa ou ótima pela Confederação Nacional dos Transportes em levantamento que considera pavimento, sinalização e geometria da pista”, afirmam a Artesp e o DER.
Sobre os trechos específicos que lideraram o levantamento feito pela reportagem, os órgãos informam que “os três estão entre os que registram maior quantidade de fluxo de veículos nas rodovias estaduais paulistas”.
No km 289 da rodovia Padre Manoel da Nóbrega, passam mais de 25 mil veículos por dia, em média. Ali, foram 12 acidentes, com 12 vítimas fatais. No km 12 da Imigrantes, a média é de 105 mil veículos por dia; no km 109 da Anhanguera, o fluxo médio é de 79 mil veículos por dia. Nesses dois trechos, sete acidentes deixaram sete mortos.
Os órgãos disseram ainda que o número de mortes nas rodovias estaduais sob concessão apresentou queda de 23% em 2015 na comparação com o ano anterior, e que houve redução de 10,1% na quantidade de acidentes e de 11,1% nos números de feridos.